O que pensa Michel Rolland, o enólogo mais influente do mundo.

 

O francês Michel Rolland é dono de uma rara unanimidade no mundo do vinho. Ele é considerado, pelos amigos e pelos inimigos, o enólogo mais influente da atualidade. Ele trabalha para mais de 100 vinícolas em 14 países diferentes - incluindo o Brasil, onde é consultor da vinícola Miolo. É famoso por começar seus projetos quase do zero. Isso significa que, ao chegar na vinícola que o contratou, Rolland muda tudo - da maneira de plantar as parreiras até o processo de colheita e de vinificação das uvas. Por conta disso, é odiado por alguns produtores, que o acusam de padronizar em demasia os vinhos que faz. Para esses produtores, Roland tem o mau hábito de eliminar as características originais do vinhos com que trabalha, o que faria com que todos ficassem muito parecidos, de modo a criar uma "marca registrada" de sua atuação.

 

Goste-se ou não do trabalho de Rolland, o fato é que ele entende muito de vinhos. A maior parte de seu trabalho está concentrada na França, onde ele trabalha para 70 produtores. Faz alguns clássicos daquele país, como o Château Pontet-Canet e o Château Pape-Clement. Nos Estados Unidos, Rolland trabalha para 14 vinícolas - entre as quais a Harlan Estate e a Robert Mondavi. Na América do Sul, Rolland é responsável pelos vinhos Yacochuya e Clos de los Siete, na Argentina. E pelo clássico Clos Apalta, da chilena Casa Lapostolle.

 

Leia a seguir a íntegra da entrevista de Rolland.

 

ÉPOCA – O senhor é provavelmente o enólogo mais influente da atualidade. O que acha desse rótulo? 

Michel Rolland – Não tenho idéia... Acho que é algo meio bizarro, porque não dá para saber como você se torna uma estrela no mundo do vinho. Comecei a trabalhar com enologia muito jovem, em Bordeaux. Comecei porque amo vinho, não porque queria fazer sucesso. Eu gosto do que faço. Amo meu trabalho. E as coisas foram acontecendo naturalmente. Acho que trabalhei direito e fui conquistando espaço. Hoje algumas pessoas acham que sou muito importante. Tudo bem por mim. Não sei se sou, é difícil dizer...

 

ÉPOCA – O senhor acha que merece esse título? 

Michel Rolland – Acho que eu trabalho direito (risos). Estou indo bem. Sou muito curioso, viajo pelo mundo para saber o que os produtores estão fazendo com seus vinhos. Então eu sei o que acontece nesse mercado. A parte ruim é que tenho de passar muito tempo no aeroporto. Viajo demais. Não há nenhum enólogo louco como eu, que viaje tanto como eu. Fisicamente você precisa ser muito resistente. Acabo comendo demais, bebendo demais... É uma vida ótima, mas perigosa. Até agora tenho agüentado. Então, talvez eu mereça a alcunha.

 

ÉPOCA – Como é o seu trabalho na Casa Lapostolle? 

Michel Rolland – Vou ao Chile quatro vezes por ano. Fico três dias a cada viagem, portanto, passo 12 dias por lá a cada ano. É o suficiente para dar conta do serviço. O projeto na Casa Lapostolle é muito interessante. Em meados da década de 90, eles conversaram comigo e me pediram para ajudar a produzir o vinho do futuro. Tentar responder o que era possível fazer naquele vinhedo, para extrair o máximo de potencial dele. O desafio foi grande. Meu trabalho é chegar na vinícola e mudar algumas coisas lá, para melhorar. Foi o que fizemos na Casa Lapostolle e, especialmente, com o Clos Apalta.

 

ÉPOCA – Por que ele é um vinho especial? 

Michel Rolland – Boa pergunta. Eu não sei.

 

ÉPOCA – Se o senhor não sabe... Ele é um bom vinho? 

Michel Rolland – Eu acho (risos). Quando começamos, para ser sincero, eu não sabia para onde ir. Fizemos a primeira colheita na Casa Lapostolle em 1994. Criamos um vinho com a uva chardonnay, outro com merlot e outro com cabernet. Em 1997 tivemos uma safra excepcional no Chile. Então tivemos a idéia de criar uma bebida especial, um vinho top de linha. Nasceu o Clos Apalta. Compramos novos barris de carvalho e produzimos uma cuvée especial.

 

ÉPOCA – Qual é a diferença do Clos Apalta para outros grandes vinhos chilenos, como o Don Melchor, da Concha y Toro, o Seña, de Eduardo Chadwick, e o Almaviva, da Concha y Toro e Rothschild? 

Michel Rolland – Acho que é a presença da uva carmenère. No Clos Apalta usamos uma porcentagem maior dessa uva, entre 60% e 70%, dependendo da safra. Nunca usamos mais do que 20% de cabernet sauvignon. Já os outros fazem o contrário. Usam mais cabernet do que carmenère. No Chile, a carmenère se deu muito bem.

 

ÉPOCA – A diferença é só em relação à porcentagem de uvas? 

Michel Rolland – Bem, tudo é importante. O processo de produção pode ser importante. Mas não tenho elementos para dizer a você por que ele é diferente dos outros. Poderíamos fazer um vinho top de linha sem carmenère. Serpa excelente, mas diferente do que temos hoje. Acho que essa talvez seja a diferença do Clos Apalta para os outros. Quando você faz um vinho especial, precisa conferir a ele uma personalidade única. No passado, na primeira vez que eu fui fazer o Clos Apalta, tive o feeling de usar carmenère. É isso. Foi uma escolha. Uma personalidade. Os outros enólogos das outras casas fazem do jeito deles. Eu fiz do meu.

 

ÉPOCA – Como você compara os vinhos do Chile e da Argentina? 

Michel Rolland – Não existe apenas uma resposta para isso. O estilo dos vinhos é totalmente diferente. Fazemos ótimos vinhos na Argentina usando a uva malbec. No Chile, ela não se deu bem. É difícil dizer... Não tenho resposta para tudo. Tenho algumas opiniões. Acho que o Chile e a Argentina são diferentes porque é mais fácil cultivar malbec na Argentina e carmenère no Chile. Simplesmente isso. O clima é diferente, o solo. O terroir (conjunto de elementos naturais, como o solo e o clima, que conferem ao local em que o vinho é produzido características únicas) é diferente.

 

ÉPOCA – Quanto o terroir é importante? Não há muito marketing em relação a isso? Não é possível fazer vinhos bons num terroir difícil? 

Michel Rolland – Eu acho que o terroir é fundamental. É a coisa mais importante no vinho. As pessoas são importantes, mas se você imaginar a mesma pessoa fazendo a mesma coisa em dois lugares diferentes, com certeza sairão dois vinhos diferentes. Não depende de nós. Depende da terra. Vou te dar um exemplo pessoal. Tenho duas propriedades em Bordeaux, uma em Pomerol e outra em Fronsac. Eu faço rigorosamente as mesmas coisas nos dois lugares. Mas, quando ponho os dois vinhos lado a lado, prefiro Pomerol. Quase sempre. Por quê? Porque o terroir é melhor. Também acho que podemos fazer bons vinhos em qualquer lugar. Podemos aprimorar os vinhos em qualquer lugar. Mas grandes vinhos dependem do terroir.

 

ÉPOCA – O senhor está dizendo que, às vezes, só o terroir basta? 

Michel Rolland – Não. Estou dizendo que ele basta sempre. Quero dizer, você pode fazer vinhos ruins num terroir ruim. Mas você precisa ser ruim para isso. Se você fizer um bom trabalho, com certeza fará um ótimo vinho.

 

ÉPOCA – Falando em terroir, como anda a evolução dos vinhos no Brasil? Até onde o país pode chegar? Estamos longe das regiões top? 

Michel Rolland – O Brasil ainda está longe. Começamos aqui há 10 anos, talvez menos. Não quero ser muito severo em relação a essa avaliação. As pessoas me perguntam o que pode acontecer no Brasil. Alguma coisa está evoluindo. Os vinhos de hoje são melhores que os de 5 anos atrás. Há bons vinhos para comprar no Brasil, especialmente espumantes, mas o país está longe do Chile e da Argentina. O sul do Brasil é o coração do país para os vinhos. Lá o plantio mudou. Mas leva tempo para colhermos os resultados. As vinícolas se modernizaram. Há novas regiões, como a Campanha Gaúcha. Há bons lugares para fazer vinho, há novas parreiras. Mas ainda é muito cedo para fazer uma análise final do vinho no Brasil. Há poucos lugares onde podem surgir bons vinhos. Mas temos que fazê-los.

 

ÉPOCA – Quais uvas se dão melhor no Brasil? 

Michel Rolland – É muito difícil para um país que não tem tradição em vinhos criar uma história nisso. As pessoas pensam mais em vender do que em construir uma identidade. É preciso entender o terroir primeiro. Depois pensar em vender. Ninguém cultiva pinot noir em Bordeaux, por exemplo. Nem vai plantar, nunca, porque todo mundo sabe que a uva não se adapta bem por lá. Então, o Brasil precisa pensar o que quer fazer. Está faltando criar uma identidade do vinho brasileiro. Não há uma variedade específica de uva que tenha se dado bem no Brasil. Estamos fazendo uma experiência com uvas portuguesas com a Miolo. Usamos a touriga nacional e a tinta roriz. Mas Brasil precisa achar uma personalidade para si, e isso leva tempo.

 

ÉPOCA – Quais são as novas regiões mais promissoras do mundo para o cultivo de vinho? 

Michel Rolland – Bordeaux...

 

ÉPOCA – Bordeaux não é nova... 

Michel Rolland – Não? (risos)

 

ÉPOCA – Não... 

Michel Rolland – Falando sério, é difícil dizer. Quando comecei em Bordeaux, nada era perfeito. O Chile, há 15 anos, era um lugar médio. A Argentina era horrível. O Brasil, há 10 anos... horrível. Havia poucos vinhos "bebíveis". Em cinco anos tivemos muitas melhorias. Meu feeling é que há vários lugares no mundo que podem ser promissores. O mundo muda. Já para te dizer onde é o lugar... Acho que podemos ter muitas surpresas nos próximos anos. Na América do Sul, os lugares promissores são o Chile e a Argentina. No Brasil, infelizmente, é mais difícil fazer vinhos. Estou de olho no norte da África também. Possivelmente o Marrocos, talvez a Argélia.

 

ÉPOCA – E a China? 

Michel Rolland – Ah, a China. Você tem razão. Eles plantam que nem loucos, têm uma área enorme. Hoje não há vinhos bons. Nenhum. Mas tenho certeza de que, daqui a alguns anos, alguém vai achar o lugar certo dentro da China para fazer bons vinhos. Eles têm muito dinheiro, crescem muito rápido. Tenho certeza de que veremos ótimos vinhos chineses no futuro.

 

ÉPOCA – Quais países do mundo estão na frente em termos de vinhos top de linha? 

Michel Rolland – O país que tem os melhores vinhos é a França, sem dúvida. Lá você encontra o maior número de vinhos top de linha. Em segundo, a Espanha. As regiões novas, como Toro e Priorato, estão entre as melhores do mundo hoje. Além das tradicionais, como Rioja e Ribeira del Duero, que produzem vinhos fantásticos. Em terceiro, a Itália. Para a produção que eles têm, não há muitos vinhos excepcionais. Poderiam ter mais, é certo. Mas os poucos que têm são ótimos. Em quarto, os Estados Unidos. Há coisas ótimas lá.

 

ÉPOCA – Muitos críticos dizem que o senhor padroniza os vinhos. Que todos eles são pequenas variações da mesma coisa, pois o senhor está interessado em criar uma assinatura comum. O que o senhor acha disso? 

Michel Rolland – Dizer que padronizo os vinhos é estúpido. É tão fácil prová-los, e constatar que são muito diferentes entre si, que esse argumento não se aplica. Se ele fosse verdadeiro, eu faria o Clos Apalta aqui na Miolo. Tenho certeza de que o Adriano (Miolo, dono da vinícola) iria adorar. (Risos.) No entanto, reconheço que tenho um estilo próprio. Gosto de vinhos maduros, concentrados, de taninos suaves, de vinhos encorpados. Procuro buscar isso no que eu produzo. Esse argumento eu aceito. No fundo, é como um escritor ou um pintor. Se pegarmos dez quadros de um mesmo artista, eles serão bem distintos, mas é possível apontar algo em comum.

 

ÉPOCA – Outra crítica em relação ao senhor diz respeito a sua amizade com Robert Parker. O que o senhor acha dele? 

Michel Rolland – Parker é um fenômeno. É o homem mais poderoso da crítica mundial. Somos amigos por uma simples razão: nos conhecemos há 20 anos, quando ele não era Parker e eu não era Rolland. Falávamos as mesmas coisas que falamos hoje. E ele é muito mais importante para o setor do que eu. Eu faço o melhor para fazer bons vinhos. Ele é um crítico fantástico. Não há comparação com outros, porque ninguém faz o trabalho que ele faz. Ele é o único que faz a mesma coisa hoje que fazia há 15 anos: trabalha como um louco. Hoje está mais restritivo, se dedica com força para Bordeaux e Califórnia, não mais do que isso. Não posso julgar suas notas, mas sei que ele é capaz de testar muitos vinhos. Quem consegue degustar 30 vinhos de uma vez? Parker consegue. Mais do que isso: consegue fazer bem-feito. Por isso não há rivais para ele.

 

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